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sexta-feira, abril 02, 2010

SAIBAM QUE A NEIL NASCEU, VIVEU E MORREU EM VOLTA GRANDE-MG...

JANELA FECHADA.
(Publicado o Jornal Diário do Amapá-03/04/10)
César Bernardo de Souza


Nas cidades pequenas de Minas Gerais, na minha região, ao tempo da minha infancia/adolescência alguns costumes eram realmente interessantes. Um deles levava as mulheres para as janelas das casas todos os dias, mais ou menos no mesmo horário: entre 16 e 18 horas. Era após o banho da tarde, quase que como um canal de comunicação entre vizinhas.

De uma janela frontal em relação à rua ou lateral em relação ao alinhamento linear das residências dava-se a comunicação diária entre as mulheres. O machismo exagerado era uma marca na época, razão pela qual as janelas eram só das mulheres. Mamãe era uma delas embora dedicasse pouco tempo para apreciar a movimentação na rua e atualização da prosa com as vizinhas. Nenhum transeunte ficava sem saudação, às vezes entrava na conversa de duas ou mais mulheres postadas em duas ou mais janelas. Nesses casos a conversa ia longe.

À época dos meus dez/quinze anos, cerca de 45 anos atrás, as mulheres das janelas da minha rua eram dona Terezinha Isse, d. Lica Oliveira, d. Zulmira Farias, d. Vitória Sales, d. Diméia Cassani, d. Clélia Oliveira, d. Clara Muniz.

Depois veio a segunda geração delas, lembro-me ainda da Soninha do Sô Dino numa janela e noutra a Neil do Sô Chico Barba (seguia-se o nome do pai ou da mãe para melhorar a identificação de uma pessoa) uma de cada lado da rua, bem em frente da outra, conversando longa e alegremente sobre os raríssimos acontecimentos na cidade.

Velhos tempos belos dias; Neil nunca se foi da cidade, sendo, portanto, uma saudade de todos nós que deixamos a terrinha para trás. Para mim ela sempre foi uma saudade especial porque nascemos e vivemos praticamente numa mesma casa - a separar-nos apenas uma rua estreita.

De uns vinte anos para cá Neil passou para dentro da minha vida, vez que se tornou intima também da minha esposa, filhos e netos. Nos breves trinta dias dos meses julho que passamos férias na cidade esbarrávamos com ela pelo menos quatro vezes ao dia.

De sua parte, sempre nos afagando com elogios e disponibilidades. Ultimamente andava feliz e orgulhosa do filho, Paulinho, bem empregado no Rio Grande do Sul. Porém, sem quê nem porquê começou a se recusar à vida

Ano passado em julho, disse-me que se sentia doente e sem muito domínio de suas vontades. Voltei lá em setembro para encontrá-la diagnosticada de câncer, já abatida, prostrada na poltrona da sala a poucos metros da “sua” janela. Agora em março sua alma voou por outra janela, foi subindo e nos deixando, subindo e cantando, subindo e sumindo. Fechou-se, assim, mais uma janela na minha vida.

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