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quinta-feira, junho 03, 2010

MEDICINA DO AMAPÁ - DR. EDUARDO COSTA REFERENCIA.

O Dr. Alberto Lima e a Medicina de Hoje!

* Prof. Dr. Eduardo Augusto da Silva Costa (eascosta@cardiol.br)


Em 1983, o Dr. Alberto Lima, que era meu paciente há dois anos, encaminhado pelo Dr. Cabral, cardiologista daqui de Macapá, chegou a São Paulo e foi me visitar, chegou ao meu apartamento no início da noite, momento em que eu e mais dois colegas do curso de mestrado na época, estávamos estudando matemática e física para fazermos prova de interpretação de exames de hemodinâmica, chegou e me levou de presente, o que era comum naquela época, uma garrafa de whisky, e quando abri o papel do embrulho, e ele viu a garrafa, me disse em tom de gozação “não foi esta que eu mandei a Estelita te mandar, acho que vou levar de volta, esta é da minha coleção”, e assim começamos um bom papo, daqueles que só o Alberto era capaz de tornar agradável o tempo todo. Como o mesmo tomou conta do assunto, perguntou o que estávamos estudando, e o Valtinho, meu colega, tentou explicar o cálculo da primeira derivada na curva de pressão da contratilidade do ventrículo esquerdo do coração, que para meu espanto o Alberto demonstrou interesse e até entendeu muito bem o assunto, para a seguir falar de suas atividades aqui em Macapá, a começar pelo número do seu CRM que era o número um do estado, naquela época Território, e depois comentou sua vida de médico, foi demais ouvir por umas três horas suas histórias, até meia noite ele discorreu sobre sua vida de pediatra, de como tratar pneumonia de criança, de fazer hidratação em bebes, de que por um tempo foi até chamado de “Dr. tire a roupa” pois veio para o Amapá num projeto para tratamento de lepra, sendo extremamente necessário ver e examinar as lesões, muito comum nas nádegas. Falou do tratamento da tuberculose, de suas cirurgias de emergência, de todas as fraturas que ele reduzia, dos partos de toda noite, dos quadros de abdome agudo de chegavam de canoa a vela do interior no igarapé das mulheres, assim como gente que vinha com os mais diversos tipos de lesões, de tiros de espingarda a terçadadas. Enfim relatou o todo da medicina do Amapá naquela época de pioneirismo. Quando acabou fomos levá-lo no hotel, que era bem longe, lá no largo do Arouche, no centro de São Paulo, e na volta um dos meus colegas comentou “Esse médico é o maior médico que eu já conheci, ele sabe resolver tudo, e nós estamos há dois dias discutindo o cálculo da primeira derivada da curva de pressão....”. No outro dia o assunto foi o comentário do dia na Escola Paulista de Medicina, enquanto esperávamos a aula de pedagogia após a de didática; foi quando, no meio dos comentários, um dos nossos professores de estatística comentou “o médico de quem vocês estão falando é dono de todo o conhecimento da sua época, mas hoje tudo mudou”....e fez uma análise da produção do conhecimento na área de saúde de tal modo que no final da exposição passamos a entender a medicina de hoje. O conhecimento médico inicia com Hipócrates, no século de Péricles, quatrocentos anos antes de Cristo, que transformou a medicina em ciência, a partir daí até o homem ir à lua em 1969, alguns consideram a primeira fase, onde a maioria do que se aprendia era observacional, e o conhecimento era muito restrito, a ponto de um médico só, como o Alberto Lima, o ter quase todo. A partir de 1970, o conhecimento tecnológico da era espacial passou para o dia a dia, e segundo palestra do Prof. Álvaro Atalah, do Centro Cochrane do Brasil sobre pesquisas científicas, o conhecimento da área de saúde duplicou a cada quatro anos, de tal forma que em 1974 o conhecimento era o dobro do de 1970, e assim por diante, em 1978 o dobro de 1974 e hoje o dobro de 2005, são produzidos só na área de saúde mais de um milhão de trabalhos científicos sérios por ano, o que torna impossível a obtenção do conhecimento por uma pessoa só, hoje médicos tem que trabalhar em grupo, a equipe da endocrinologia com a equipe da pneumologia, com a equipe da neurologia, e assim sucessivamente...eu ensino para os meus alunos de medicina que eles tem a obrigação de saber todas as emergências, não interessa a especialidade que vão seguir na residência, as emergências todas são prioritárias; o médico pode ser psiquiatra, cardiologista ou ortopedista, mas quando só, tem que saber resolver por exemplo a crise de eclâmpsia da grávida, a dor de alguém com câncer, o edema agudo de pulmão, o coma diabético, o choque anafilático ou a crise de asma..., fora das emergências, no mundo civilizado o profissional trabalha na sua especialidade e em conjunto com os médicos das outras especialidades...ninguém hoje pode resolver tudo sozinho, como o Alberto Lima em sua época....ah, que saudade do Dr. Alberto e do tempo que médicos sabiam tudo, porém isso é pretérito perfeito, é passado....vamos é estudar profundamente a primeira derivada da curva de pressão do ventrículo esquerdo, pois no paciente de hoje com insuficiência do coração, este é um dos primeiros parâmetros que o médico deve saber.



*Médico Amapaense com Residência, Mestrado e Doutorado em Cardiologia / Professor de Cardiologia e Presidente da Comissão de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) da Disciplina de Cardiologia da Faculdade de Medicina da UFPA.

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