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terça-feira, fevereiro 21, 2012

EUCLIDES DE CASTRO FURTADO: O ANJO KIDÃO

O ANJO KIDÃO.

Não sei quem disse: “a gente sai da terra, mas a terra não sai da gente”. Disse-o, seja lá quem tenha sido, muito bem. Aplica-se a mim esse dito popular, que deixei para trás a Volta Grande onde nasci, mas que a ela continuo ligado.
Ultimamente tem me chegado com muito atraso as noticias dos falecimentos, que em tese deveriam me chegar diretamente. Poupam-me delas as minhas famílias, de lá e de cá – estou gravemente doente e agem assim no sentido da proteção.
Agora mesmo não quiseram deixar que tomasse conhecimento do falecimento do Kidão, soube-o com dias de atraso, mas com o mesmo impacto de dor. Fomos amigos desde a juventude, aliás, é melhor dizer bons amigos. Estou com 60 anos, ele um pouquinho mais., nunca tivemos uma rusga sequer.
Ele, Euclides de Castro Furtado, nunca me chamava de Cesar ou Cezinha como os demais, embora pudesse assim referir-me a terceiros. Dele diretamente para mim sempre fui: Bernardo de Souza.
Noticia de morte tem mistérios, um deles o de nos mergulhar em lembranças do morto; outro é que a dor e o sofrimento só vão encontrar alivio com o passar do tempo e com o quase esquecimento do morto.
Então, enquanto sofro e sinto dor lembro o amigo Kidão. Por nunca ter precisado escrever seu “nome”, não sei, agora, se Kidão ou Quidão.
Bom, moramos em mesma rua muitos anos seguidos e a bom tempo atrás, de um lado e outro da Paulo de Fronteen estavam as nossas casas.
Nesse tempo ainda esperávamos a pavimentação chegar jogando futebol, bilosca, queimada e correndo pique-salva sobre o cascalho que fora aplicado como base. Nasceu disso e ali o FLAMENGUINHO.
Quando a rua mudou de nome a família dele já se tinha mudado e eu só visitava a minha casa de vez em quando, porque já tinha ido para o Rio de Janeiro para estudar. Coincidentemente a rua passou a se chamar Romualdo de Castro – algum seu parente.
Ficou nessa nossa rua e nosso curto quarteirão, uma triste historia de falecimentos de pessoas que nos ajudaram, Kidão e eu, a viver. Em alguns anos morreram lá, pessoas comuns a mim e a ele, como: Célia, Ana e Jandira Teperino, Bolivar Magalhães, Dri Cassani, Fabinho Muniz, Nelson da Praça, Neil Farias, Teco (Walter) Sabino, e agora não lá, mas também de lá o Kidão. O casal Sales, seus tios, perderam ali uma filhinha bem pequena.
A vida botou distancia entre nós, mas não nos dividiu tanto assim. Kidão nasceu e morreu fazendeiro, nunca quis separar-se da terra, da lavoura, dos animais de pecuária. Mas, também eu gostava muito de roça, dos desafios da agricultura e da zootecnia, pelo quê fui para a Universidade Rural estudar ciências agrárias.
Daí vim para o Amapá, e na eminência dos nossos encontros quase anuais, quando ia a Volta Grande nas férias, o bom amigo me pedia sempre o mesmo presente: levasse para ele farinha grossa da Amazônia. Acho que conheceu a “especialidade” em Tocantins.
Cada um de nós recebeu uma incumbência na vida e, de vida: não só espinhos, não só espadas, não só cruzes. Fomos simples, honestos, sonhadores sempre, felizes muitas vezes – toda uma vida nunca é mais do que fomos.
Perto dele também não estive enquanto se lhe aproximava a morte, por isso lamento mais ainda a morte até prematura do Kidão. Mas festejo a nossa convivência sem um único desentendimento. É que ele era bom, tão bom que brigava com seus amigos (no mais das vezes por causa do seu Botafogo), mas não se portava como inimigo. Simplesmente se afastava e não mais pronunciava o nome do seu novo temporário desafeto. Daí em diante, por exemplo, o Bertoldo passou a se chamar “filho da D. Tete”, o Dudu “filho do Brasilino”, o Cidinho, “filho do Sidônio”. Eu, por obra dos anjos que nos juntou, sempre fui o Bernardo de Souza para o Euclides de Castro Furtado.
Estou certo de que de uns dias para cá mais um anjo está a me ajudar na difícil luta que travo contra o câncer: o anjo Kidão.

-Quer ver a terra do Kidão? Visite: jacintodasilva.blogspot.com

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