Translate

quarta-feira, março 14, 2012

UM POUCO MAIS DO BONFIM

                                                Entrevistado e entrevistador (jan-2011)

PARECE QUE FOI ONTEM – Bonfa- 1995


No dia 19 de novembro de 1995, um domingo ensolarado, o jornal “Diário do Amapá”, publicou a entrevista que hoje trazemos ao Blog (bonfa.wordpress.com), com absoluta exclusividade. Foi há 22 anos. Porém, os temas, parecem atuais no tempo e no espaço. O nome da coluna era “Gente Daqui”.

“É fácil vê-lo andando, solene e compenetrado, pelas ruas de Macapá. Às vezes, no braço, pende um clássico garda-chuva e um tradicional monte de livros e cadernos. Antonio Munhoz Lopes, ex-seminarista, pesquisador, professor de Literatura, Português, Latim e História da Arte. Advogado por formação, globe-trotter, descende de espanhóis e elegeu o Pará e o Amapá, como terras de sua predileção. Quem não conhece o professor Munhoz? Este refinadíssimo intelectual, escritor de quilate quase inigualável, ostenta o currículo e as glórias de ter contribuído, ao longo de décadas, à formação humanística de várias gerações de amapaenses. Um orgulho da cidade. Um ser humano que vale a pena conhecer de perto.”



(Entrevista e Texto: Bonfim Salgado)

Bonfim Salgado – Munhoz, é difícil, terrivelmente difícil, entrevistar amigos. Comecemos por Macapá. Há quanto tempo você está aqui?

Antonio Munhoz – Em outubro passado, fez exatamente trinta e seis anos que por aqui cheguei. Vim com meus 27 anos. Portanto, sou hoje mais amapaense que paraense. Estou com 63 anos bem vividos, no ápice de todas as minhas potencialidades.

BS – Consta que você nasceu numa quarta-feira de Cinzas, é verdade?

AM – Sim, é verdade. E como já disse à Lana, jornalista paraense, não sou triste, por isso. Ao contrário, sou bem alegre, comunicativo, e adoro a vida com tudo o que ela tem de bom. A vida para mim, até hoje, tem sido uma constante novidade.

BS – Voce nasceu mesmo em Belém?

AM – Sim, sou paraense legítimo, paraense da gema. Gosto de farinha e de pato no tucupi, assim como de maniçoba, casquinha de muçuã, de bacuri, açaí e cupuaçu. Aliás, quanto mais eu viajo, mais eu gosto de Macapá e de Belém. Sinto-me, por assim dizer, preso às raízes.

BS – Como foi essa história do seminário?

AM – Vivi muitos anos – a minha adolescência toda – em dois seminários, em Belém (Pará), e São Luís (Maranhão). De ambos, guardo inesquecíveis recordações. Foram alguns dos melhores anos de minha vida. O seminário me marcou profundamente. No meu lado bom, ainda sou seminarista.

BS – E no lado mau?

AM – Também! (risada).

BS – Pois bem. Então, por que você não chegou a ser padre?

AM – Porque não fui escolhido. “Muitos são chamados, mas poucos os escolhidos”, não é assim? Deus, também tem os seus prediletos. Ele sabe a quem escolher, a quem deve marcar com o seu sinete. Deus sabe o que quer e a quem quer.

BS – Qual é a sua definição de um padre?

AM – Um homem que deve viver no mundo, entrosado no mundo, sentindo e tentando resolver os problemas do mundo, sem ser, todavia, do mundo.

BS – O cônego Ápio Campos, respeitado escritor e intelectual paraense, uma vez, descreveu o Munhoz delegado de polícia. Como é essa história?

AM – Ele fez lirismo, poesia à meu respeito. Disse ele que eu andava prendendo muita gente e dava à polícia local “um clima de cenáculo literário”. Dizia, ainda, que meu escrivão era quase um poeta, meus auxiliares aproveitavam as folgas para ler contos e romances e que “os próprios encarcerados eram obrigados a ler, em obediência à portaria baixada, várias páginas de antologia por semana.”

BS – Cadeia literária, heim?

AM – Cadeia, não, biblioteca. (risos).

BS – Há quanto tempo você é membro do Conselho Estadual de Cultura?

AM – Há onde anos. Sou decano. Pena é que o Conselho, no momento, esteja perdendo as suas características de Conselho de Cultura, tornando-se uma espécie de associação de amigos da arte e da literatura. Um clube de amigos. O Conselho está enveredando por um caminho errado.

BS – Diga-nos dois grandes prazeres de sua vida?

AM – Há outros, muitos outros, mas dois dos mais importantes são , sem dúvida alguma, ler. Nunca passei um dia sem ler. E viajar. Viajar, não como mero passatempo. Mas como um enriquecimento cultural.

BS – Quais as cidades do mundo, no seu ponto de vista, mais bonitas?

AM – Em primeiro, não posso deixar de citar Paris, que é sempre uma surpresa. Depois, Praga, simplesmente deslumbrante. Veneza, Florença, São Petersburgo, Buenos Aires, Toledo. O nosso Rio de Janeiro, é uma cidade que só há pouco conheci. Há outra cidade que me fascinou muito, Bruges, na Bélgica. Há outras que, no momento, eu não lembro.

BS – Você escreveu coisas belíssimas sobre a Mazagão da África?

AM – Sim, até mesmo para chamar a atenção dos amapaenses, para essas raízes históricas. Estive três vezes na Mazagão africana. Tenho um fascínio pelo Marrocos, onde já estive quatro vezes. Destaco, nesse país, as cidades imperiais, principalmente, Fez, a mais antiga, berço de milenária monarquia e centro cultural e religioso do Marrocos.

BS – O que é viver em Macapá?

AM – É viver ainda com uma certa tranqüilidade, apesar da violência que domina a cidade. Veja: no último assalto à minha casa, levaram todas as garrafas de uísque escocês, os vinhos do Porto, os CDs. De música erudita e uma sacola cheia de perfume francês, presentes de amigos.

BS – Ladrãozinho refinado e de bom-gosto, não é mesmo?

AM – Concordo. Eu trabalho de manhã, de tarde, de noite. A minha vida se resume apenas no trabalho. Por isso, em julho, ninguém me agarra. Minhas férias são sagradas. Como não sou de ferro, aproveito para conhecer o mundo.

BS – E o nível intelectual da juventude amapaense, como está?

AM – Parece incrível, mas intelectualmente falando, está involuindo. De início, a juventude não gosta de ler. Não tem o mínimo interesse pelas coisas do espírito. Em sala de aula, a dissipação é completa. Disciplina, para os jovens, é coisa do passado. É uma lástima. E na balbúrdia, ninguém evolui. Há dias, numa sala do terceiro ano Colegial, quase fui agredido, quando disse que as letras das composições dos “Mamonas Assassinas” eram puro lixo. Como disse Celso Manson, da revista Veja, “Mescla de grosseria e cretinice.” Infelizmente, o mau-gosto domina o mundo.

BS – E na política? Você já foi candidato alguma vez?

AM – Por que, para quê? Como os valores já não são os mesmos do passado, os políticos de hoje, na sua maioria, não pensam mais em trabalhar pelo povo, mas apenas em beneficiar-se, olhando para o seu bolso, para a sua conta bancária. Político, na sua verdadeira acepção, hoje, é como agulha em palheiro. Encontrar um de verdade é dificílimo.

BS – E o Brasil, tem jeito?

AM – Tem jeito, sim. É só os homens públicos criarem vergonha na cara e se conscientizarem da importância do papel que devem desempenhar, para o progresso da Nação. Na verdade, eles não pensam na gente, isto é, no povo. Só pensam em si, naquilo que é bom para eles. A Nação que se lixe.

BS – E o famoso livro – não escrito – que você nos deve?

AM – De fato, você tem razão. Ainda há pouco, em Belém, o amigo Acyr Castro, jornalista, me cobrava ao menos um livro sobre minhas viagens. Mas, tempo que é bom e necessário, para escrever, eu não tenho, francamente. Vamos esperar um pouco. Vou criar coragem de deixar as aulas. Aí, sim, o tempo vai ser todo meu. Escrever, exige tempo e, com o tempo, conquista-se o mundo.

BS – O que você ainda deseja da vida?

AM – Saúde, paz de espírito, dinheiro, disposição para viajar e lucidez, para viver ainda muitos anos. Tenho a sensação de que só agora é que estou começando a viver. Viver é um dom de Deus.

“ Eis o homem. Aquele que cita os museus, catedrais históricas, pintores renascentistas e autores clássicos, numa simples conversa de meia hora. O professor Munhoz, homem do mundo, cabeça arejadíssima e atenta, olha no relógio. Levanta-se, agradece educadamente, fala com todo mundo à sua volta e sai. Está ligeiramente atrasado para uma aula de Literatura, no Colégio Amapaense.”

Aqui, eu faria uma simples pergunta: Esse texto, publicado há 22 anos, serve ou não para os dias e acontecimentos atuais do Amapá e do Brasil

Um comentário:

Tadeu Pelaes disse...

Bonfim Salgado, vive!

Vinte e dois anos, não são vinte e dois dias. Parece até que estamos juntos na bucólica residência de César Bernardo reunidos para o sempre almoço gostoso regado à vinho, cerveja, piadas e muita coversa animada. Essa sensacional entrevista feita por Bonfim Salgado à Antonio Munhoz Lopes, me fêz lembrar as realidades de ontem às realidades de hoje. Nada mudou de vinte e dois anos passados até hoje. Perguntas inteligentes com respostas inteligentes, somente assim são proporcionadas por intelectuais de os quilates potenciais de Bonfim Salgado e Antonio Munhoz Lopes.

Bonfim Salgado, vive!