Ontem falei de hidrelétricas na Amazônia e do ambientalismo exarcebado, hoje posto a matéria abaixo que a meu ver dá bem o tom da mesma exacerbação ambientalista. Somos hoje na Amazônia brasileira mais de 28 milhões de habitantes, importadores habituais de alimentos (quase todos os legumes, grãos, frangos, embutidos, etc), mas quando se fala em plantar não se quer discutir antes se há ou não sistemas de produção que nos sirvam. É não e pronto. Que noticias temos de gente morrendo por causa de plantio de arroz no Brasil? Quem no Brasil pode fazer a grande agricultura sem sequer saber o manejo correto de defensivos? Ninguem pode ser a favor da devastação da Amazônia, mas em mesma medida não se pode sufocar dessa maneira o crescimeno econômico de um povo. Discutamos...
O impacto do
plantio de arroz no Marajó
Assunção Novaes, Alessio Saccardo,
Ima Célia Guimarães Vieira e João Meirelles Filho*
A proposta de plantio de 300 mil
hectares de arroz no Marajó exige amplo debate público sobre o tema, em vista
do grande impacto que esta intervenção enseja. A chegada dos arrozeiros nos
campos do Marajó se constitui, provavelmente, na maior tragédia socioambiental
desde a expulsão da Igreja Católica da ilha no século XVIII. Quem ama o Marajó
está muito preocupado com seu futuro.
A planta é uma graminea. Outras gramineas são nativas na ilha, inclusive o arroz selvagem.
Vale lembrar que estes arrozeiros
foram expulsos da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, por decisão
do Superior Tribunal Federal – STF, por plantarem ilegalmente em terras
indígenas (terras públicas federais).
É urgente a realização de audiências publicas
nos municípios impactados, a se iniciar por Cachoeira do Arari e Salvaterra,
bem como audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Pará. Entre as principais temáticas a tratar estão:
Questões sociais e culturais;
- Saúde humana – o uso de agrotóxicos
em larga escala, especialmente aqueles lançados por aviões que passam sobre o
núcleo urbano de Cachoeira do Arari, constitui-se em forte ameaça,
especialmente aos mais frágeis – crianças e idosos;
- Agravamento de risco de doenças – a
presença de grandes áreas inundadas, inclusive em períodos de seca, no entorno
do núcleo urbano de Cachoeira do Arari, poderá resultar em aumento substancial
de insetos transmissores de doenças tropicais (dengue e malária,
principalmente), o que precisa ser monitorado;
- Exclusão da participação local – A
comunidade local está totalmente excluída. Os moradores da sede de Cachoeira do
Arari e entorno das fazendas de arrozeiros são afetados diretamente pelos
empreendimentos e ninguém os ouviu!
- Acesso viário – uma comunidade como
a de Cuieira ficou rodeada, até sem a passagem para ir ao núcleo urbano. A se
aumentar a área de plantio este fato se sucederá para outras comunidades;
- Comunidades Quilombolas – qualquer
empreendimento de grande porte precisa ouvir as comunidades quilombolas do
entorno, como a de Gurupá, em Cachoeira do Arari;
- Patrimônio imaterial – reiteradas
denúncias alertam para mudanças substantivas nas tradições locais, como o
impedimento de tradições que passavam pelas fazendas hoje em posse de
arrozeiros, especialmente da festividade do Glorioso São Sebastião.
Empreendimentos de grande porte exigem inventário do patrimônio imaterial;
- Patrimônio arqueológico – por lei,
qualquer intervenção de grande porte precisa ser precedida de estudo sobre a
existência de patrimônio arqueológico. Ora, sabe-se muito bem, que esta região
do Marajó é considerada como uma das que possui maior patrimônio de artefatos
de cerâmica do Brasil.
Questões ambientais
- Espécies ameaçadas – inexistem
estudos sobre o impacto do empreendimento sobre espécies de plantas e animais
consideradas ameaçadas pela legislação estadual e federal. Preocupa, por
exemplo, a existência de uma espécie endêmica de arroz silvestre, que poderá
ser ameaçada pela expansão do plantio de arroz industrial;
- Inexistência de EIA-RIMA –
intervenção de tamanha magnitude deveria contemplar Estudo de Impacto Ambiental
& Relatório de Impacto Ambiental, inclusive com audiências públicas e
exaustivos estudos socioambientais. Nada disto foi feito!
- Licenças ambientais insuficientes –
a licença ambiental concedida pela Secretaria de Meio Ambiente de Estado em
setembro de 2010, tratou apenas de um canal e não do empreendimento como um
todo. Além disto, definia o monitoramento e a apresentação de relatórios sobre
a qualidade da água, o que não foi realizado;
- Modificação da paisagem – ainda que
o búfalo e o boi causem enorme impacto, a dimensão da intervenção do plantio de
arroz altera, completamente, a paisagem, desviando rios, encharcando vastas,
promovendo o desmatamento, com a comprovada derrubada de árvores frutíferas
entre outros;
- Acesso à água – ao criar canais
artificiais, bombear água do leito de rios em vultosos volumes (que não são
medidos) e desviar cursos d’água, a dinâmica natural dos campos do Marajó se
modifica, e o próprio acesso a água também. E isto não é devidamente avaliado e
monitorado, por meio de testes físico-químicos, como a própria licença
concedida pela SEMA exige;
- Poluição da água – a presença de
agrotóxicos, o aumento do risco de vazamento de combustíveis e mesmo a
modificação da quantidade de oxigênio e de matéria orgânica, da mesma maneira,
exige monitoramento e avaliação, uma vez que pode afetar a água que pessoas e
animais bebem, e apresentar impacto relacionado à segurança alimentar,
principalmente para a pesca de subsistência.
- APA do Marajó – ainda que sem seu
plano de manejo, a Área de Proteção Ambiental do Marajó, como determina o SNUC
– Sistema Nacional de Unidades de Conservação, exige o licenciamento dos
empreendimentos de grande porte;
Questão fundiária
- Cidade sitiada – o núcleo urbano de
Cachoeira de Arari está cercado, o que impede a sua expansão natural. Cachoeira
já estava encurralada, e hoje, praticamente, é uma cidade entre uma fazenda e o
rio, é como o homem com as algemas, não pode se mexer.
- Terras públicas x privadas – numa
região do Marajó em que a titularidade das terras não está definida, por se
tratar de áreas inundáveis, é preciso primeiro definir a propriedade das
terras, bem como realizar o zoneamento econômico-ecológico para determinar que
áreas podem ser utilizadas e sob que condições.
É uma das plantas de maior distribuição no planeta.
Questões econômicas
- Geração de emprego e migração – o
plantio de arroz gera poucos empregos. Atualmente, a maioria é ocupada por
migrantes trazidos pelos empreendedores de fora. Com a expansão da rizicultura
haverá forte migração para a região, como ocorre em outros grandes
empreendimentos na Amazônia. De que maneira isto agravará a exclusão do
marajoara do emprego formal oferecido?
- Distribuição de renda – o modelo de
negócio apresentado pelos arrozeiros pouco contribui ao processo de inclusão
dos mais pobres da região, ou seja, a maioria dos marajoaras;
- Impacto na infraestrutura viária –
as precárias estradas entre Cachoeira do Arari e os portos em uso recebem um
tráfego crescente de caminhões articulados de grande porte, afetando a
qualidade das estradas, especialmente de suas pontes e passagens, bem como o
uso das balsas e prejudicando ainda mais a população, que dispõe de um acesso
precário;
- Geração de impostos locais – o
produto sai in natura, para ser processado em outras localidades, o que
significa baixa capacidade de geração de tributos para a localidade. Além
disto, se os ônus relacionados aos arrozeiros estão claros, os benefícios
tributários para a receita municipal não o estão;
- Promoção dos produtos locais –
diferentemente de outros empreendimentos, os arrozeiros pouco adquirem ou
gastam no mercado local, impossibilitando que a economia local se beneficie de
sua presença;
O que nos preocupa, mais que tudo, é
que os Maroajaras não estão sendo ouvidos, não participam das decisões sobre
sua própria vida e território. Mais uma vez, são os outros que decidem sobre a
vida do Marajoara. Até agora o que se vê são empreendedores de fora, a cercar
tudo, numa postura arrogante, crendo que o dinheiro tudo compra, como se o
Marajó fosse terra sem lei ou rei. Pior, não se preocupam em informar a
população sobre o que se propõem a realizar, que benefícios acreditam serem
capazes de propiciar. Simplesmente, estão desfrutando de um território
favorável, desprotegido, e tirando todo o benefício sem que a população dele
participe.
O arros é praticamente um alimento universal
O Arroz do planeta inteiro não vale a saúde de uma pessoa.É neste sentido que reiteramos a urgência de promover debates públicos em Cachoeira do Arari e nos municípios vizinhos, bem como realizar uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Pará, para discutir o impacto do plantio de arroz na vida dos Marajoaras.
O Arroz do planeta inteiro não vale a saúde de uma pessoa.É neste sentido que reiteramos a urgência de promover debates públicos em Cachoeira do Arari e nos municípios vizinhos, bem como realizar uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Pará, para discutir o impacto do plantio de arroz na vida dos Marajoaras.
* Alessio Saccardo, SJ, Bispo da
Prelazia de Ponta de Pedras Assunção Novaes (Cacau), coordenador do Conselho de
Desenvolvimento Territorial do Marajó – CODETEM. Ima Célia Guimarães Vieira,
pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi. João Meirelles Filho, Diretor,
Instituto Peabiru, Programa Viva Marajó. Assunção Novaes (Cacau), coordenador
do Conselho de Desenvolvimento Territorial do Marajó – CODETEM.
(O Autor)
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