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segunda-feira, setembro 22, 2014

CRISE NO COMBATE AO CÂNCER

25 de agosto de 2014 

Luiz Antonio Santini

O GLOBO de 21 de agosto, no editorial "Falhas de gestão na crise da saúde pública", afirma que "é impossível prestar um atendimento 'minimamente razoável' dentro das normas burocráticas e esclerosadas que regem o funcionalismo público". Esta afirmação, com a qual concordamos inteiramente, é a base de todas as tentativas que o Inca vem empreendendo para equacionar a situação da instituição.
Criado em 1937, o Inca é responsável pela prevenção e controle de câncer no país, presta serviços oncológicos no âmbito do SUS e tem, desde 1984, atribuições de gerenciamento das políticas nacionais de câncer. Em 1990, a Lei 8.080, ao criar o SUS, define suas ações como referencial de prestação de serviços, formação de recursos humanos e para transferência de tecnologia. Essas competências foram ratificadas por sucessivos decretos e portarias.
Ao longo dos últimos 22 anos, a parceria com a Fundação Ary Frauzino para Pesquisa e Controle do Câncer (FAF), uma entidade filantrópica de direito privado sem fins lucrativos, possibilitou criação de inúmeros programas nacionais voltados à expansão da assistência oncológica no país, ao controle do tabagismo e dos cânceres de colo de útero e mama, à melhoria da qualidade da radioterapia e da mamografia, além da elaboração de políticas específicas para o controle do câncer nos estados e municípios. Além disso, transformou o Inca em coordenador do mais importante tratado internacional de saúde pública, a Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, e possibilitou ao Brasil ser detentor do terceiro maior banco de doadores de medula óssea do mundo.
Todas essas atividades agregaram um repositório inestimável de conhecimento especializado aos profissionais em atividade no Inca, possibilitando sua reconhecida excelência na assistência oncológica. Permitiram também a geração de competências para desenvolver e monitorar políticas públicas específicas, formar profissionais especializados para assistência, pesquisa e ensino e o surgimento de inúmeras inovações nas ações de controle do câncer. Como resultado, tornaram o Inca possuidor da única pós-graduação em oncologia avaliada com grau de excelência pela Capes.
A partir de 2006, por determinação do TCU, a parceria com a FAF vem sendo progressivamente descontinuada, comprometendo de forma importante os resultados alcançados. Já perdemos mais de 800 profissionais e temos um prazo até abril de 2015 para demitir os 583 restantes no contrato com a FAF. A perda de pessoal especializado sem a existência de mecanismos autônomos de reposição coloca a instituição em risco de perder sua capacidade operacional e de geração de resultados para o SUS. Não se recupera o estoque de saber acumulado nas instituições com a mera substituição de pessoas, especialmente nas profissões de saúde em que é necessário o desenvolvimento de um longo e laborioso processo de interação.
 O Inca não tem personalidade jurídica própria e depende de decisões do governo federal, que tem sistema rígido e lento de reposição de pessoal. Há um grande descompasso entre as necessidades dinâmicas da área de recursos humanos e as ações esporádicas e demoradas para suprir essas necessidades. Os concursos públicos não têm sido efetivos por não considerarem a necessidade em termos de números, das atividades a serem executadas e da experiência necessária. A direção geral do Inca é totalmente adepta do mecanismo do concurso público. No entanto, os concursos realizados em 1995, 2005 e 2009, que levaram à nomeação de mais de 1.500 concursados, não solucionaram o déficit de pessoal existente por não cumprirem o que foi anteriormente mencionado.
Inúmeras instituições de características similares às do Inca dispõem de estrutura que lhes permite, dentro da esfera pública, ter os mecanismos de gestão de que necessitamos. Basta lembrar o modelo do Sara Kubitschek e o da Embrapa.
Ao longo destes anos, realizamos inúmeros estudos com o acompanhamento dos ministérios da Saúde e do Planejamento, que, em tese, concordam com a necessidade das mudanças reclamadas pela instituição. No entanto, na prática não ocorreu encaminhamento concreto algum do assunto.
A nosso ver, o que mais faltou, até o momento, para resolver o problema é maior e mais aprofundado conhecimento dos desafios postos para o Inca e para o controle do câncer, além do enfrentamento de outros interesses envolvidos.

Luiz Antônio Santini é diretor-geral do Instituto Nacional do Câncer (Inca) 
Fonte: O Globo

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